Fofoca do trabalho? Aceito! -estratégia e política nas entrelinhas
Todo mundo fofoca no trabalho, não importa o nível ou ambiente. Saber usá-la com estratégia é o que muda o jogo.
Tenho uma fofoca quente hoje nesta edição!
Aconteceu com uma mentorada minha. Ela tinha acabado de mudar de área, assumindo mais responsabilidades como gerente em uma função de alta visibilidade. Seu antigo gestor não ficou muito feliz com a mudança.
Na última reunião de avaliação de desempenho, antes de ela mudar de área, ele disse que sua nota seria abaixo das expectativas. Ela, surpresa, questionou o motivo pois tinha recebido vários feedbacks positivos antes de mudar de área.
A resposta foi a clássica: “foi o RH que determinou um ajuste forçado na curva de notas da área”.
Apesar dos questionamentos, ele desviou o assunto, acabou o horário da reunião e aquela história não ficou bem digerida. A nota oficial da avaliação seria divulgada somente em duas semanas.
la trouxe para debatermos a situação e, ao analisarmos todo o contexto dessa resposta, eu disse:
“Ele está testando a sua rede de informações e influência agora que você mudou de área”.
Como assim?
Realmente havia um elemento de verdade na justificativa dele: o RH determina que as notas sejam equilibradas. Normalmente um time tem uma distribuição de notas de acordo com a performance, mantendo uma média — curva de sino ou distribuição normalizada.
Só que ela era uma pessoa com desempenho acima da média para aquele ano com várias entregas extras. Porém, agora que esse gestor não tinha vínculo direto com ela, a avaliação de desempenho era a última oportunidade de testar sua lealdade e sua rede de influência antes de ela mudar totalmente de área.
Ele apostou que falando que sua nota seria inferior ao esperado, ela ficaria indignada e buscaria apoio da nova gestão e/ou do RH. Fazendo isso, certamente o RH ou a nova gestão falariam com ele de alguma maneira.
Assim, ela teria agido como ele esperava. Caso houvesse alguma determinação para mudar a nota ou questionamentos para o gestor antigo com relação à nota dela, ele saberia que ela teria falado com alguém. Ou seja, ela deixaria rastros sobre sua rede de contatos e influência.
Após entender o contexto, ela optou por não fazer nada até que a avaliação de desempenho fosse divulgada oficialmente. Ao receber a nota, ficou surpresa pois era diferente do que ele tinha lhe contado.
Ela teve uma nota acima da média, ou seja, exatamente o que esperava, dado o desempenho e feedbacks que recebeu ao longo do ano. Como gestora, ela percebeu uma outra face e a dimensão estratégica que a fofoca pode tomar.
Olhamos para o termo com aquele estigma negativo, no entanto, no meio corporativo ela possui mais faces do que o clichê de falar mal de alguém tomando café na copa.
Nesta edição de Conversas no Corredor, te chamo para um café com fofoca. Sinto lhe informar, mas não vamos falar mal de ninguém.
Nessa edição, vamos trazer uma outra perspectiva sobre como a fofoca tem um papel importante nas relações corporativas e como podemos usá-la a nosso favor.
Enche a xícara de café, senta aí e vamos conversar.
O estigma das conversas paralelas
A fofoca no trabalho assume diferentes formatos dependendo do seu contexto. A clássica é para falar sobre alguém, geralmente de forma negativa.
Quando envolve mulheres, reforça ainda mais uma imagem misógina e um viés de gênero. Porém, homens também fofocam, seja no trabalho ou com amigos. Só que aí eles dão outro nome: networking, análise política ou até mesmo conversa de bastidor.
No ambiente corporativo, a prática ainda ganha apelidos que suavizam ou demonizam o ato. Termos como conversas paralelas, conversinha de corredor ou rádio-peão dizem mais sobre o inconsciente da cultura organizacional do que sobre a natureza da troca em si.
Esses termos sempre visam enquadrar o time, os colaboradores de base como responsáveis por essas “conversas que só atrapalham”. No entanto, gestores, por mais que odeiem e se esforcem ao máximo para agir contra a fofoca dentro dos seus times, também são fofoqueiros.
Pessoas em cargo de liderança acabam fofocando mais do que os não líderes e colaboradores em geral — politicagem né.
Na situação da mentorada, podemos notar como gestores experientes acabam usando as redes de contato para mapear as teias políticas dentro da empresa. Só que nesse caso, essas conversas não adotam o termo estigmatizado.
A rede informal de influência e confiança
O ser humano é um animal social. A fofoca está na essência humana desde os primórdios como forma de criar laços de confiança para favorecer a sobrevivência do clã.
No contexto corporativo não é diferente, afinal as relações humanas são muitas vezes mais importantes do que a execução técnica das funções. Não somos robôs ou máquinas.
Somos feitos de vínculo, troca e olhar atento. É por meio dessas conexões que ganhamos sentido de pertencimento, segurança e leitura de ambiente.
Por exemplo, através da fofoca compartilham-se informações críticas que não circulariam oficialmente, especialmente para quem está fora dos centros de poder. Ou então, auxiliam no entendimento de contextos ambíguos e a interpretar mensagens da liderança.
Assim, essas conversas ajudam a construir uma rede de influência informal ao posicionar quem detém e compartilha informações como alguém bem conectado e relevante.
Além disso, auxiliam a formar laços e entender quem é ou não confiável. Afinal “se fulano fala de cicrano para mim, então quando eu não estou fulano fala de mim”.
Quem viu a terceira temporada da série White Lotus pode ter lembrado do trio de amigas que sempre falam daquela que está ausente.
Fofocar é algo ruim?
Além da sua função estratégica e muitas vezes não dita dentro das empresas, a fofoca desempenha um papel psicológico para o fortalecimento das relações.
Mais do que isso, a fofoca ajuda a reduzir o estresse, pois permite ventilar emoções, desabafar e criar vínculos sociais genuínos, funcionando como uma válvula de escape emocional e uma forma de pertencimento ao grupo.
Analisando a origem do estigma negativo que a fofoca carrega, percebo que tem um discurso de ordem e controle por trás. Afinal, a maioria dos conteúdos sobre o tema falam somente sobre os aspectos negativos desse hábito.
No entanto, estudos demonstram que somente 15% das fofocas tem conteúdo negativo. Sendo assim, percebo um certo padrão na forma como o tema é abordado e, com base nas soluções apresentadas, é possível traçar a origem desse estigma.
Não estou romantizando a fofoca, afinal quando a fofoca tem cunho negativo, ela acaba criando um ambiente tóxico, onde falar mal das pessoas é hábito.
Isso também gera um efeito de desconfiança no time, minando a performance e bem-estar das pessoas. No extremo, pode levar a assédio moral, demissão por justa causa e até crime (confira aqui no Jusbrasil).
Sendo assim, e aplicando as ponderações adequadas, podemos entender de onde vem o estigma negativo. Porém, vejo que não está restrito a esse quesito.
A fofoca se apresenta muito mais como sintoma do que como causa de problemas corporativos.
Vemos isso quando as principais soluções apresentadas para gestores lidarem com essa questão são: ter mais transparência, uma comunicação assertiva e até o enfrentamento direto da situação.
Quando há espaço para conversas francas, feedbacks diretos e escuta ativa, a fofoca perde seu caráter corrosivo e se transforma em um sinal de pertencimento, curiosidade saudável e troca informal de informações que ajudam a compreender, e até fortalecer, a cultura da equipe.
Efetivamente, ambientes de trabalho que fomentam a segurança psicológica do time, dificilmente sofrerão as consequências negativas das fofocas.
Além disso, confrontar o time para “pararem de fazer fofoca” só endossa ainda mais um mecanismos de comando e controle. Tentar banir a fofoca é como tentar conter o vento: ela continuará acontecendo, apenas migrará para espaços menos visíveis e, portanto, mais perigosos.
Se há um espaço de segurança psicológica e confiança no time, então o líder precisa estar aberto a ouvir o time e sobretudo agir.
O papel da liderança não é suprimir a conversa informal, mas entender o que ela revela sobre a cultura da organização e as tensões não ditas que precisam ser escutadas.
Como usar a fofoca de forma estratégica
Se a fofoca é inevitável, por que não torná-la útil? A questão não é se você deve ou não fofocar, mas como. Fofoca estratégica é uma ferramenta de leitura política, reforço de reputação e criação de vínculos, desde que usada com cuidado.
Recentemente vi uma palestra na SXSW — Spill the Tea: A Strategic Guide to Office Gossip — onde a autora Amy Gallo, que também escreve para a Harvard Business Review, traz algumas sugestões de como agir usar a fofoca de forma estratégica:
1. Saiba de onde veio e para onde está indo
Não é sobre o conteúdo e sim sobre a intenção e contexto. Antes de iniciar uma fofoca, é válido refletir se aquela informação será útil pra quem vai ouvir ou se servirá somente para te colocar como ‘alguém que sabe das coisas’.
Essa reflexão acaba separando o inconsequente daquele que entende as nuances dos bastidores.
2. Falar bem pelas costas é uma tática subestimada
Sim, existe fofoca positiva e ela tem um impacto poderoso. Pois cria uma cadeia silenciosa de reputação. A Amy conta que uma das maiores alegrias da carreira dela foi ouvir, por terceiros, que “ela deixava um rastro de boa vontade por onde passava”.
Esse tipo de comentário não nasce de reuniões formais nasce do boca a boca, da confiança e da generosidade no bastidor. Quando você admira alguém, fale isso, especialmente quando essa pessoa não está na sala.
3. Normas se reforçam nas entrelinhas
Quem nunca percebeu o padrão da equipe sem ninguém ter dito em voz alta?
Por exemplo, alguém que sempre chega atrasado acaba virando pauta na roda de conversa. Como resultado, as pessoas que participam daquela crítica acabam não repetindo o comportamento de atraso, pois sabem que virarão pauta se isso ocorrer.
O que é dito nos bastidores molda o comportamento do grupo. Ou seja: fofocar é, muitas vezes, reforçar as regras não ditas da cultura.
4. Desabafar sim, envenenar não
Todo mundo precisa ventilar de vez em quando. Mas cuidado para não transformar o desabafo em campanha negativa.
Já vi e ouvi histórias de gente que encaminhou e-mail ou mensagem de Whatsapp falando mal de fulano diretamente e por engano para o próprio fulano!
A lição é simples: se você não falaria algo com microfone aberto, talvez não deva dizer. E se precisar mesmo desabafar, escolha bem com quem e nunca deixe rastro escrito.
OBS: TUDO, absolutamente tudo o que você escreve no computador ou celular da empresa é de propriedade da empresa e eles podem requerer acesso a qualquer hora.
5. Use como bússola, não como verdade absoluta
A fofoca também ajuda a entender o terreno.
Por exemplo, saber que um líder não gosta de ser interrompido ou que prefere apresentações usando algum formato específico, pode te ajudar a ajustar seu estilo e se dar bem.
Essas informações não vêm por comunicado oficial, mas moldam a forma como você navega nas relações. Só cuidado pra não transformar a fofoca em filtro único, nem tudo que dizem é real, e nem sempre o bastidor acerta.
6. O que andam dizendo de você por aí?
Esse talvez seja o uso mais silencioso e poderoso da fofoca: ela reflete o que está sendo construído da sua imagem, mesmo que você não esteja olhando.
Se alguém falasse de você agora, o que gostaria que dissessem? Essa pergunta simples ajuda a alinhar presença, posicionamento e relações.
Invista em construir sua reputação não apenas com entregas, mas com coerência no trato, presença em conversas informais e apoio a colegas. A forma como agimos e reagimos nos bastidores ajuda a formar a imagem que os outros formam de nós mesmos.
Uma ferramenta política poderosa
Se até em Harvard estão falando que fofocar nem sempre é algo negativo, então podemos seguir com menos culpa com aquele ‘update informal’ na copa — ou antes da reunião começar. Afinal, todo mundo fofoca e faz parte da cultura das empresas.
Por mais que haja uma estigmatização e uma memeficação negativa em torno da fofoca, ela estreita os laços e fortalece alguns alicerces dos relacionamentos corporativos.
Ela não fica restrita somente a copa durante o café. Está presente nas reuniões, nas avaliações de desempenho, nos assuntos do happy hour e em todos os níveis da organização.
No fundo, a fofoca é uma ferramenta de leitura e influência. Uma bússola social. Se usada com inteligência, ajuda a construir alianças, entender o clima, perceber os códigos não ditos. E possibilitar a navegação pelas arenas políticas da empresa.
Quando ignorada, pode deixar a gente cego para o que realmente move as relações em volta. Quando usada sem filtro, pode derrubar tudo o que você construiu.
Não adianta fingir que ela não existe. O que adianta é entender as regras do jogo e jogar com responsabilidade. E mais: criar ambientes onde o que precisa ser dito não depende só dos bastidores para ser ouvido.
Talvez, mais do que evitar a fofoca, o que as lideranças precisem mesmo seja aprender a escutá-la, e saber o que fazer com o que ela revela.
E aí, você tem uma fofoca pra contar? Compartilha sua história nos comentários! Ou então, compartilhe também sua visão sobre o tema.
Recomendação para fofoqueiro!
Se quiser ouvir fofoca de verdade, então recomendo o podcast Histórias da Firma. Contadas pela Déia Freitas do Não Inviabilize, o podcast traz um pouco da rotina corporativa como ela é.
PS: Dá pra ouvir de graça, mas só no Amazon Music.
Histórias da firma: Todo mundo tem as suas. Um momento embaraçoso no trabalho, marmita furtada da geladeira do escritório ou até mesmo aquele colega de trabalho insuportável - mas esses casos vão ainda além.
Conheça mais sobre o Conversas no Corredor
Criei essa newsletter para falar sobre temas do mundo corporativo que todo CLT deveria aprender. São aquelas conversas que eu gostaria de ter tido com meu gestor ao longo da minha carreira—insights que fazem a diferença, mas que nem sempre surgem em reuniões ou treinamentos formais.
Por isso, chamei de Conversas no Corredor: aprendizados que acontecem naquele papo despretensioso enquanto tomamos um café.
Se quiser acompanhar, já pega o seu café e vem comigo! 🔥💼
Se liga nesse texto:
Ser um Puxa-Saco pode te promover
·Se tem uma coisa que todo mundo detesta no trabalho, é o puxa-saco. Aquele que elogia o chefe descaradamente, faz tudo para agradar e parece se dar bem sem precisar entregar muito. Mas e se eu te dissesse que ser puxa-saco pode, sim, te promover? Não daquele jeito óbvio e irritante, mas de forma estratégica e inteligente.