Inteligência Emocional: o poder da Autoconsciência #2
O alicerce da inteligência emocional — sem ela, não há liderança eficaz, nem conexão verdadeira com os outros.
Este segundo texto da série sobre Inteligência Emocional da newsletter Conversas no Corredor foi baseado nas obras do autor e pesquisador Daniel Goleman.
Em cada texto abordaremos um tema dentro dos quatro domínios: autoconsciência, autogestão, consciência social e gestão de relacionamentos.
O primeiro texto da série é a introdução ao tema, confira no link: Inteligência Emocional: dominando a arte da política corporativa #1
Quando falamos sobre Inteligência Emocional rapidamente associamos ao autoconhecimento.
Mas o conceito é mais amplo e passa por quatro domínios centrais, como abordado no texto anterior.
O primeiro deles é a autoconsciência. Essa dimensão funciona como a capacidade de reconhecer nossos estados emocionais, entender suas causas e o impacto que têm sobre os outros — em tempo real.
Porque ninguém joga bem o jogo corporativo sem saber o que se passa dentro da própria cabeça.
O aprendizado pode vir com curso de liderança, mentor de carreira, livro de soft skills. Mas se você não consegue entender o que sente, nem adianta tentar entender o que move os outros.
Autoconsciência é a habilidade de perceber, nomear e compreender seus próprios sentimentos e reações. É o que permite transformar impulsos em decisões conscientes.
Mas assim como toda competência, não adianta apenas saber o que é. Em situações de tensão e pressão, colocar em prática é o que fará a diferença.
Treino e preparo são essenciais para dominá-la e conseguir aplicá-la naturalmente na sua rotina.
Por isso, essa série se propõe aprofundar cada tema, para que esse conteúdo sirva de base para seu processo de desenvolvimento pessoal.
Pega seu café e vem comigo nessa jornada. Afinal, você sabe o que está sentindo agora!?
As três dimensões da autoconsciência
Para funcionar de verdade, a autoconsciência precisa caminhar em três frentes. Identificar, Nomear e Compreender. São como camadas de profundidade emocional que se constroem uma sobre a outra:
Identificar é perceber que uma emoção está presente.
É o primeiro sinal: uma tensão no corpo, um pensamento repetitivo, uma vontade de evitar algo. Sem isso, você sequer percebe que está no piloto automático.
Nomear é colocar o rótulo certo.
Dá contexto ao que você sente. Quando você diz “estou sentindo ansiedade” em vez de só “estressado”, você começa a traduzir a emoção com mais precisão. Você tira aquela névoa de imprecisão em torno da emoção.
Compreender é fazer as conexões.
De onde isso vem? Por que essa situação específica me afeta tanto? O que isso diz sobre minhas crenças, meus padrões, meu histórico emocional?
Essas três camadas explicam por que você não fala em uma reunião, por que evita certos projetos, por que trava diante de uma apresentação.
A notícia boa é que, sabendo disso, você pode fazer algo a respeito.
Identificar - reconhecendo as próprias emoções
No mundo real, a autoconsciência não é apenas um termo que você aprendeu no treinamento e anotou no caderno. Ela vai aparecer quando você parar no meio de uma discussão e pensar: “Por que isso me afetou tanto?”
Não é sempre raiva. Às vezes é medo disfarçado de controle. Às vezes é insegurança vestida de perfeccionismo. Às vezes é só cansaço acumulado, projetado em quem cruzou seu caminho na hora errada.
O ponto é: se você não percebe o que está sentindo, vira refém das suas próprias emoções e reage no automático.
Infelizmente, no mundo corporativo, não há espaço para crescimento quando agimos somente por impulso.
São esses fatores, a princípio subjetivos, que pesam na hora de o gestor fazer avaliação de desempenho. Não basta competência técnica se as competências emocionais não estiverem bem desenvolvidas.
Inclusive, pesquisas indicam que equipes lideradas por gestores emocionalmente conscientes têm até 30% mais valor agregado.
E não por acaso: essas equipes operam em um estado otimizado — menos desgaste, mais alinhamento e resultados consistentes.
Nomear - rotulando sentimentos
Experimente dar nome certo à emoção que você está sentindo com mais precisão e perceba como seu significado fica mais claro: “Estou decepcionado.” “Me senti desrespeitado.” “Estou inseguro com essa entrega.”
Quando você faz isso, o nevoeiro emocional se dissipa. A emoção deixa de ser um nó na garganta e vira uma informação — que pode ser usada a seu favor.
A diferença entre “estou p***” e “me senti excluído” muda o rumo de uma conversa. Muda o tipo de escuta que você provoca. Muda a chance de alinhamento real.
Fica mais fácil não só para você como para outras pessoas entenderem e associarem aquilo que você está sentindo quando o nome adequado é usado.
Por exemplo, em um feedback, falar “fiquei feliz com o que você falou de mim na reunião” é vago, enquanto falar: “me senti reconhecido pelo que você falou de mim na reunião”.
Essa mudança dá mais precisão a um sentimento tão amplo como estar feliz e torna o feedback mais assertivo.
Compreender - entendendo a origem da emoção
Entender de onde vem sua emoção é o que separa impulsividade de intenção.
Por que esse tipo de reunião sempre te trava? Por que esse perfil de colega te incomoda tanto? Por que você fica defensivo quando recebe uma sugestão?
Quando você começa a mapear esses padrões, percebe que consegue prever reações, escolher respostas e até a conduzir melhor suas conversas.
Isso te afeta em vários cenários: como você se posiciona, como lidera, como é percebido. Gente que se conhece tende a ocupar melhor o próprio espaço. E, curiosamente, tende também a invadir menos o dos outros.
Só um cuidado: introspecção demais também trava. Tem gente que confunde autoconsciência com ruminação.
Fica rodando os mesmos pensamentos, revirando os mesmos sentimentos, sem ação, sem clareza, sem fim. A diferença é simples: autoconsciência gera escolha. Ruminação gera paralisia.
Se você sai de uma reflexão mais confuso do que entrou, talvez esteja cavando um buraco e chamando de profundidade.
Nessa hora, vale recuperar a autoconsciência e refletir: a função não é entender tudo, e sim conseguir agir com mais intencionalidade.
Autoconsciência também é sobre relacionamentos
Nada melhor do que usar mais de um espelho com diferentes ângulos para conseguir enxergar pontos cegos que você não consegue ver sozinho.
Por isso, tem coisa sobre você que só percebe quando aparece no espelho dos outros. A forma como sua fala impacta, a sua expressão seguida de silêncio, como suas reações ecoam na equipe.
Você pode se achar transparente e cuidadoso — mas seu time te lê como distante e evasivo.
Se você quer se conhecer de verdade, precisa perguntar, escutar e digerir. Mesmo quando não gosta do que ouve.
Um elevado nível de maturidade nessa competência está relacionado a buscar a percepção dos outros sobre suas reações. Nesse ponto, o feedback vale ouro, pois ele vai te ajudar a mapear esses pontos cegos.
Não precisa ser algo formal, uma checagem rápida com um colega sobre “o que você achou da minha resposta naquela apresentação da diretoria?” é suficiente para entender se a resposta, que para você era objetiva, pareceu seca e arrogante para quem estava na sala.
O curioso é que, segundo pesquisas, as pessoas com menor autoconsciência são justamente as que acham que estão bem.
Esse “ponto cego emocional” é o que mais compromete o desenvolvimento.
Por isso, avaliações externas — como um bom feedback ou uma análise 360 — não são só “boas práticas de gestão”. Elas são ferramentas estratégicas para enxergar o que você sozinho não consegue.
Politicagem
Por mais que ninguém goste, entender e jogar nas arenas políticas da empresa pode ser fator decisivo para sua carreira — torne isso algo estratégico.
No fundo, toda boa política corporativa começa no silêncio entre a ação e a reação. É ali que você escolhe entre repetir os padrões ou agir com estratégia.
Quer ter jogo de cintura? Entenda por que certos temas te tiram do eixo.
Quer saber influenciar? Perceba quando está tentando agradar por insegurança.
Quer ser respeitado? Comece respeitando o que sente — e agindo a partir disso.
E tem mais: gente que se enxerga bem também enxerga melhor o ambiente. Não dá para ser politicamente hábil sem perceber o clima da sala, as emoções que circulam na equipe, os silêncios que falam mais do que o grupo no Messenger.
Líderes conscientes não olham só para dentro. Eles mapeiam padrões emocionais da organização.
Sentem quando o time está exausto. Percebem quando a tensão não é sobre o projeto, mas sobre o medo de errar. Essa consciência coletiva é a base do verdadeiro significado de influência.
Essa sensibilidade se traduz em ações mais cuidadosas, comunicação mais clara e decisões mais ponderadas. Todos se beneficiam com mais confiança, segurança emocional e engajamento.
Estudos mostram que a autoconsciência de um gestor influencia diretamente o clima emocional da equipe. E um bom clima é pré-requisito para colaboração, criatividade e retenção.
Como se treina essa competência?
Primeiro: esqueça a ideia de que autoconsciência é algo que surge em momentos de iluminação. Na prática, ela é construída no cotidiano, com pequenos hábitos de observação e um certo desconforto — é chato, mas é normal sentir isso também.
Apoio profissional
A jornada do autodesenvolvimento só funciona se o protagonista quiser e tiver coragem. Afinal, ao longo do caminho aparecerão alguns desafios que sempre estiveram ali, escondidos, mas que nunca foram endereçados.
Por isso, ter um suporte profissional nesse caminho pode ser o primeiro passo. Buscar uma mentoria apropriada pode te adiantar anos de tentativa e erro solitário — principalmente quando há questões que resistimos em ver ou mudar.
Pequenos check-ins emocionais
Para identificar emoções com consistência, comece a usar os intervalos mortos do dia — aquele minuto antes da reunião começar, o tempo escovando os dentes, a espera do computador ligar — para escanear o seu corpo e sua mente, em vez de abrir o Instagram
A pergunta não é “como estou?”, mas “o que está acontecendo dentro de mim agora?”.
Às vezes a resposta vem como uma imagem, um aperto no peito, uma memória vaga. Nesse começo o importante é perceber e notar.
O corpo sente antes da cabeça entender e por isso, aprender a escutar esses sinais faz a diferença.
Antes de uma reunião difícil, antes de tomar uma decisão grande, faça um check-in físico: onde está a tensão? Como está a respiração? Tem um frio na barriga? Tudo parece contraído?
Líderes que usam o corpo como radar conseguem detectar tensões no ambiente antes que o conflito vire confronto.
Expandir o vocabulário emocional
Para nomear, você precisa expandir o vocabulário emocional.
“Estressado” não basta. Ao final de cada dia, escreva uma linha: qual emoção você sentiu mais forte hoje? E por que esse nome e não outro? Use metáforas se precisar.
Emoções difíceis de nomear são, quase sempre, as mais importantes.
Explorar os cenários (sem ruminação improdutiva)
Reflita sobre episódios que te desestabilizaram, os chamados momentos de "sequestro emocional", identificando os gatilhos que desencadeiam a reação.
O que você esperava daquela situação? Qual foi o gatilho real? Qual história você contou para si mesmo naquele momento?
Essa investigação não precisa virar terapia de longa duração — mas precisa ser honesta.
Uma boa prática semanal é escolher um evento emocionalmente marcante e destrinchá-lo. Quais pensamentos vieram junto? Qual comportamento você teve? O que teria feito diferente se tivesse reconhecido o que sentia ali mesmo?
Autoconsciência como hábito
Nada melhor do que ter o hábito de criar esses momentos de reflexão. É importante criar e colocar na rotina espaços dedicados ao entendimento das suas emoções e reações.
Pode ser algo simples, como três momentos fixos por semana para esse treino reflexivo.
Por exemplo: segunda, quarta e sexta, dedicar quinze minutos depois do almoço para anotar em um caderno ou bloco de notas: o que sentiu, qual o nome da emoção e de onde ela veio.
Feedback
Outra prática poderosa: peça feedback.
Pergunte para alguém de confiança: “Você já me viu reagir de forma emocional e depois percebeu que talvez eu não tivesse consciência disso no momento?”
Esteja de ouvidos abertos para escutar. Essas conversas te ajudam a se olhar a partir de outros espelhos.
Por mais que monitoremos nossas ações e reações, somente o outro pode dizer como aquela frase soou ou como sua reação pareceu para ele.
Mindfulness
Praticar um exercício simples de atenção plena (mindfulness), direcionando a atenção para a respiração (inspiração, pausa, expiração), notando quando a mente divaga e trazendo o foco de volta.
Você aprende a observar seus pensamentos como quem assiste uma nuvem passar. Isso afina sua capacidade de não se perder dentro da própria cabeça.
A real vantagem competitiva
No fim das contas, autoconsciência é clareza sobre si mesmo. Olhando para dentro sabemos o que está em jogo quando algo nos tira do eixo.
E quando essa clareza é bem treinada, ela vira diferencial. Não só porque melhora sua comunicação ou suas decisões — mas porque reduz o desperdício emocional. Você para de gastar energia brigando com o que sente, e começa a agir a partir disso.
Esse é o ponto de virada porque no prazo apertado, no atrito com o chefe, na pressão da rotina… não se perder dentro das emoções se torna ferramenta de sobrevivência em alguns ambientes.
Quando você se escuta de verdade, começa a notar o que faz sentido e o que te consome por dentro. Reconhece os ambientes que drenam sua energia, os valores que você não negocia e o tipo de trabalho que potencializa quem você é.
Quem se enxerga com essa clareza não terceiriza a própria trajetória.
Escolhe onde faz sentido estar, como quer crescer e toma as rédeas da própria carreira — antes que decidam por você.