Seu chefe pode estar se sentindo sozinho
A solidão olhada pelas lentes da liderança. Reflexões sobre vulnerabilidade, politicagem e o peso de liderar sozinho.
Logo no começo da minha carreira, quando ainda trabalhava com projetos junto ao CEO, eu estava apresentando o status de um que tinha atrasado por conta de uma situação que ocorreu em uma área da empresa na semana anterior.
Foi quando, para minha surpresa, ele me interrompe querendo saber mais sobre a situação e não sobre o atraso do projeto. Depois de contextualizar sobre o que estava acontecendo e me disse algo que me marcou desde então:
"As pessoas não me falam as coisas. Você vai descobrir que a liderança é muito solitária."
A minha surpresa se deu justamente por ter uma imagem oposta a esse relato. Imaginava que com a liderança não lhe faltaria companhia, todos estariam ao seu redor ou que ele saberia todas as fofocas da empresa.
No entanto, estar cercado de bajuladores, só status positivos e tudo acontecendo perfeitamente nas áreas era a imagem que todos ao seu redor passavam. Apesar de uma agenda lotada e interações constantes, faltavam relações genuínas..
As conversas no corredor de hoje são sobre a sensação de desamparo e solidão que acompanham a liderança.
Espero que este texto ajude a despertar empatia em quem ainda não ocupa uma posição de liderança — para que perceba que nem tudo são flores para o “chefe”.
E, também, que sirva de alento para líderes que estão tentando encontrar um jeito mais leve de atravessar esse caminho inevitável.
Pega um café aí. Vamos conversar?
Escalando a montanha organizacional
A liderança é frequentemente vista como um símbolo de sucesso e poder, mas raramente discutimos o isolamento que acompanha essa ascensão.
Quando somos colaboradores, estamos tão compenetrados em performar que quase não há espaço para empatia em relação ao líder — que, inerente à sua função, precisa transmitir um ar de “estar sobre o controle de tudo”.
A escalada na pirâmide organizacional traz mais responsabilidades e impacto, mas cobra o preço: menos pares para dividir os dilemas, menos tempo para cultivar relações e menos aliados ao redor.
Além disso, o papel do líder exige a adoção de novos comportamentos. A confidencialidade substitui a informalidade — fofocas. Regras não escritas da função passam a ocupar espaço na mente da liderança — não pode errar. Paradigmas contribuem para a falsa percepção de companhia — não pode pedir ajuda.
Assim, o líder se vê em cima de um pedestal, sustentado pelo medo de errar, de não saber ou de não dar conta de tudo o que lhe foi atribuído. A ausência de vulnerabilidade consolida — e cristaliza — ainda mais a crença de que o líder deve ser aquele que sempre sabe o que fazer.
Mas olhos atentos conseguem notar que, pelo menos no campo das emoções, essa narrativa se desfaz.
Inerente à função e inevitavelmente humano, o líder se sente sozinho — quando não é convidado para o almoço do time, quando tem reunião na hora do café, ou quando o happy hour acontece sem ele.
Seja no campo emocional, social ou profissional, a liderança tende a se tornar uma jornada solitária para quem ainda se apoia em normas sociais rígidas e em uma cultura de comando e controle como alicerce de sua forma de liderar.
Essa escalada não precisa ser solitária.
As arenas políticas corporativas
A solidão na liderança transcende o simples fato de estar sozinho; ela penetra as camadas de responsabilidades, decisões e, notavelmente, a politicagem que acompanha os cargos de alto nível.
Não é apenas sobre a ausência de companhia ou relações genuínas, mas sobre a carga de ser o ponto final de decisões críticas, muitas vezes tendo que navegar pelas águas turvas da política organizacional sem um porto seguro claro.
Além do isolamento natural que a posição impõe, o líder também precisa lidar com a politicagem — esse jogo velado de interesses que, muitas vezes, contamina o ambiente e sabota relações de confiança.
Em posições mais altas, fica mais difícil identificar o que é genuíno e o que é movido por conveniência. A leitura de contexto se torna constante: quem está por perto porque acredita na liderança, e quem está apenas cumprindo estratégia de autopromoção?
Esse tipo de dúvida corrói a espontaneidade das relações e, aos poucos, transforma o ambiente em um tabuleiro onde o líder se vê mais como peça do que como jogador. A politicagem, nesse sentido, não só isola — ela desgasta emocionalmente, porque exige uma vigilância permanente.
Nesse artigo da HBR, Abbey Lewis toca em um ponto crucial em seu artigo: mais de 70% dos novos CEOs relatam sentir solidão em seus papéis.
Essa estatística ressoa com a minha experiência; a liderança muitas vezes coloca uma barreira invisível entre o líder e seus colegas, uma barreira que não é apenas física, mas profundamente emocional e psicológica.
Expectativa e realidade
No entanto, não precisa chegar a ser CEO para experimentar essa realidade. E é evidente que a solidão é uma experiência universal — afinal, estávamos vivendo uma epidemia de solidão —, embora suas manifestações no contexto da liderança tragam um enfoque sobre o tema que não estamos habituados a lidar.
Em algumas partes do mundo, o isolamento é quase esperado como parte do 'pacote de liderança', enquanto em outras, há um esforço consciente para mitigar esse sentimento através de práticas organizacionais mais inclusivas.
Como brasileiros, temos no sangue uma cultura que cultiva relacionamentos e valoriza a companhia. Sabemos que o senso de pertencimento nos toca no âmbito humano, independente do título no crachá.
Em empresas com culturas mais modernas e diversas, a linha hierárquica fica tênue e um senso de colaboração se faz mais presente. No entanto, em ambientes mais tradicionais e conservadores, ainda temos a posição do líder distanciada do seu time.
Infelizmente essa é a realidade de muitos ambientes corporativos. E esse comportamento se retroalimenta com o status de poder que posições de liderança possuem.
Os reflexos no âmbito social são os motivadores dessa busca meritocrática pela posição de liderança, afinal com o título vem mais salário e reputação.
Apesar de muitas pessoas almejarem tanto a de liderança somente para ter acesso ao poder e status. A realidade bate na porta, quando percebem a fragilidade de terem construído esse sonho em bases tão fracas.
Se fizermos um raio-x sobre o papel do líder dentro das corporações, sem filtros, percebemos que sua função, de origem, tem cunho processual. É mais eficiente dar ordens num sistema hierárquico do que colaborativo.
Assim a vontade de um presidente é facilmente transmitida abaixo da pirâmide para os demais líderes e esses para seus times. Assim, posição se resume a função de garantir fluidez nas ordens, aprovação de processos e cascateamento de decisões.
Felizmente o conceito de liderança evoluiu ao passar dos anos. E aqueles que viram líderes achando que a posição possui só status e poder, veem o castelo de areia se desmanchar.
A tão sonhada posição de liderança começa a mostrar uma face que a maioria dos líderes tenta esconder ou aprender a lidar: a solidão — acompanhada de ansiedade, medo, angústia e outras emoções que não pareciam pertencer àquele cargo.
Reflexões sobre Vulnerabilidade
Parte do desafio de ser promovido a um cargo de liderança é a mudança abrupta nas dinâmicas sociais. Quando alguém de um time é promovido, seus pares agora se tornaram líderados, a dinâmica dessa relação de “amizade” assume outra perspectiva.
Novos líderes frequentemente se veem navegando um campo minado de normas sociais pouco claras, onde até um convite para jantar pode carregar múltiplas camadas de significado.
Essa mudança de função pode intensificar a sensação de isolamento, pois reduz o número de pares com quem se pode ter interações genuínas e inclusive troca de conhecimento.
Uma das lições mais valiosas que aprendi é que a vulnerabilidade é uma força, não uma fraqueza. A primeira vez que virei líder, tentava mascarar minha inexperiência com confiança excessiva, o que só me deu mais trabalho e alguns erros no início dessa jornada.
Tudo era novo e ninguém tinha me ensinado o que era ser líder na prática. Com o tempo, aprendi que pedir ajuda e admitir que não sei tudo não só me humanizava perante minha equipe, mas também incentivava um ambiente de cooperação e apoio mútuo.
Tive o privilégio de ter pessoas excelentes ao meu lado nesse momento, que compartilhavam o mesmo sentimento que eu: ajudar-se mutuamente.
Uma coordenadora que reportava para mim me disse: eu quero te ajudar, pois se você se der bem nós nos daremos bem também.
Nesse momento eu quebrei a casca da vulnerabilidade e foi decisivo para criar uma relação forte de confiança e responsabilidade com o time todo.
Tem uma teoria que aprendi desde cedo, elaborada por Patrick Lencioni. No livro “Os 5 desafios das equipes: Uma história sobre liderança” ele descreve os cinco desafios que impedem os times de alcançar alta performance.
Segundo ele, são cinco disfunções que se acumulam como uma pirâmide, começando pela base até o topo temos:
Ausência de confiança → sem vulnerabilidade, o time não se conecta de verdade.
Medo de conflito → evita-se o debate honesto, e as ideias ficam na superfície.
Falta de comprometimento → decisões não engajam, e ninguém veste a camisa.
Evasão de responsabilidades → ninguém se cobra, e o desempenho cai.
Desatenção aos resultados → o foco sai do time e vai para interesses individuais.
Entender essa lógica me ajudou a enxergar que o fato de não demonstrar a vulnerabilidade inata de qualquer ser humano, estava me distanciando cada vez mais do meu time, gerando ansiedade e baixa motivação.
Adotar uma postura de vulnerabilidade permitiu-me construir relações mais fortes e uma cultura de transparência na equipe que fui aperfeiçoando com os demais times que gerenciei. A liderança, descobri, não é sobre ter todas as respostas, mas sobre saber encontrar algumas dessas respostas coletivamente e não sozinho.
Conexão é uma solução
Além de criar um vínculo de confiança com seu próprio time, uma das maneiras mais eficazes de combater a solidão é através da criação consciente de redes de apoio. Interações casuais e a formação de novas conexões sociais com outros líderes podem ser extremamente benéficas.
Em minha experiência, participar de grupos de líderes ou mesmo eventos de networking pode fornecer não apenas suporte, mas também insights valiosos e novas perspectivas sobre a gestão dos desafios inerentes à liderança.
Chamar outros gestores para um café ou conversas casuais ajudam a dissipar o paradigma da liderança perfeita. Numa conversa aberta, vemos que diferentes estilos de liderança podem ser adotados e no fundo as dificuldades diárias são similares a qualquer liderança.
Além disso, buscar estar mais presente do seu gestor é crucial para o aprendizado. Ele passou por situações similares, nada melhor do que um mentor para auxiliar nesse momento.
Nessa publicação eu falei sobre as 4 reuniões que todos deveríamos ter em nossas agendas. Esse texto serve não somente para direcionar crescimento profissional estruturado, mas também como forma de estar presente — com o time ou com seu gestor.
É muito fácil nos perdemos nas atividades de rotina e ficarmos preocupados com entregas semanais. Deixamos interações que realmente importam de lado. Ter uma estrutura de agenda fixa que promova interações genuínas é uma alternativa a driblar a solidão da rotina.
A liderança transformadora
Essa epidemia de solidão que também permeia os ambientes corporativos é uma consequência previsível de um modelo de trabalho que ainda valoriza performance sobre presença, resultado sobre relação.
Por trás de cada gestor que segura a onda sozinho, pode haver uma história de insegurança abafada, de silêncio estratégico ou de medo de parecer fraco. Reconhecer isso não é romantizar o sofrimento, mas trazer lucidez a um papel que costuma ser colocado em um pedestal.
Quanto mais alto o pedestal, maior o risco da queda. Emocional, relacional, até mesmo física.
Seja você um novo líder, alguém em transição ou um liderado que ainda não subiu os degraus da gestão, entender que às vezes essa escalada é solitária pode ser uma forma de reescrever essa narrativa.
O líder que inspira não é o que não sente medo, mas o que encontra formas saudáveis de lidar com ele. O que compartilha, pede ajuda, cria redes de apoio dentro e fora do time.
E o liderado que reconhece isso, que se aproxima com empatia e oferece presença real, se posiciona como alguém estratégico, e não apenas técnico. Ninguém cresce sozinho. Nem quem lidera, nem quem é liderado.
Por isso, talvez a nova liderança não precise mais se parecer com uma fortaleza. Ela pode ser ponte. Um espaço onde a coragem e a dúvida coexistem. Onde o silêncio não é regra, mas sim um convite para conversas mais sinceras.
Que essa conversa no corredor, ou no café, ou aqui mesmo neste texto, possa ser um ponto de partida. Para líderes menos solitários. E para times mais conscientes de que, no fim das contas, todo mundo precisa de apoio. Até quem carrega o crachá de gestor.
Você que é gestor, como tem sido essa jornada? E você, liderado, já tinha olhado por essa perspectiva? Deixem um comentário para debatermos e enriquecer ainda mais essa discussão.
Quer se aprofundar mais no texto, segue a referência do artigo da Harvard Business Review:
Novo na liderança? Veja como lidar com a solidão
Conheça mais sobre o Conversas no Corredor
Criei essa newsletter para falar sobre temas do mundo corporativo que todo CLT deveria aprender. São aquelas conversas que eu gostaria de ter tido com meu gestor ao longo da minha carreira—insights que fazem a diferença, mas que nem sempre surgem em reuniões ou treinamentos formais.
Por isso, chamei de Conversas no Corredor: aprendizados que acontecem naquele papo despretensioso enquanto tomamos um café.
Se quiser acompanhar, já pega o seu café e vem comigo! 🔥💼
Se liga nesse texto:
Ser um Puxa-Saco pode te promover
Se tem uma coisa que todo mundo detesta no trabalho, é o puxa-saco. Aquele que elogia o chefe descaradamente, faz tudo para agradar e parece se dar bem sem precisar entregar muito. Mas e se eu te dissesse que ser puxa-saco pode, sim, te promover? Não daquele jeito óbvio e irritante, mas de forma estratégica e inteligente.