Autogestão: a arte de não se sabotar no trabalho #3
Como regular suas emoções nos momentos críticos e conquistar mais espaço, respeito e autonomia.
Este é o terceiro texto da série sobre Inteligência Emocional da newsletter Conversas no Corredor foi baseado nas obras do autor e pesquisador Daniel Goleman.
Em cada texto abordaremos um tema dentro dos quatro domínios da IE: autoconsciência, autogestão, consciência social e gestão de relacionamentos.
A seguir você encontra os textos da série já publicados:
Inteligência Emocional: dominando a arte da política corporativa #1
Emoções não pedem licença
Elas chegam e vão entrando. E, se você não assume o controle, elas assumem por você.
É por isso que um dos pilares da inteligência emocional é justamente a capacidade de se autogerir. Não se trata de suprimir o que se sente, mas de transformar o sentimento em ação consciente.
No texto anterior, falamos sobre autoconsciência: perceber o que se sente, em tempo real.
Agora entramos na parte mais desafiadora: agir com intenção mesmo quando o emocional aperta. Porque ninguém joga bem o jogo corporativo sem saber o que se passa dentro da própria cabeça.
Se autoconsciência é saber o que se passa dentro de você, autogestão é o que você faz com isso.
É quando o que você sente deixa de te comandar e passa a te orientar. A emoção continua ali, mas quem dirige é você.
Não adianta entender o que sente se, na hora da pressão, você reage no automático. Autogestão é a habilidade de agir a partir da consciência, e não apesar dela.
Por isso, esse segundo texto da série mergulha nessa competência: pra você entender como ela funciona, como se desenvolve e o que ela impacta.
E não estamos falando só de performance individual — estamos falando de segurança psicológica, de cultura de time, de liderança que inspira sem explodir.
Então pega seu café e vem comigo. Bora entender como não se sabotar no momento que mais importa.
A arte de não se sabotar no trabalho (e na vida)
Vamos começar com uma verdade incômoda: ninguém vai te lembrar de manter o autocontrole.
Em suma, a forma como reagimos a diferentes situações tem papel decisivo na formação de opinião de decisores ou de quem tem poder dentro da empresa.
Não somente isso, mas a sustentabilidade dos relacionamentos está diretamente ligada à forma como as trocas são positivas para os dois lados.
No calor de um deadline impossível, naquela reunião onde te interrompem pela terceira vez ou quando o feedback atravessado vem de alguém que nem sabe o que você faz — nessas horas em que a emoção fala mais alto, é só você com você mesmo.
Esse é o jogo da autogestão: a capacidade de lidar bem com as próprias emoções. Sem ignorá-las, sem virar refém delas.
Envolve reconhecer o que você sente, entender o impacto disso nas suas ações e manter o comportamento alinhado com seus valores, mesmo sob pressão.
Na prática, é respirar fundo antes de responder aquele e-mail passivo-agressivo, é evitar o looping mental de “não sou bom o bastante” depois de um erro, e é saber a hora de sair para uma caminhada antes de dar uma resposta atravessada.
Não se trata de ser perfeito, mas sim de uma competência que precisa ser treinada e praticada para não sermos pegos de surpresa.
A três dimensões da autogestão
Pensa numa situação tensa: você recebe um comentário atravessado numa reunião.
Primeiro, vem o impulso. Depois, a emoção cresce. Mas ali, no meio do turbilhão, temos a opção de escolher como reagir.
Se você segura o impulso, entende o que está sentindo e, ainda assim, responde com clareza — pronto. Isso é autogestão funcionando.
Esse jogo tem três movimentos: conter a reação, regular a emoção e transformar tudo isso em ação com foco. Quando bem treinados, esses três passos mudam completamente a forma como você lida com essas situações.
Já deu pra perceber que profissionais que dominam essa competência acabam tendo mais reconhecimento — não só pelo que entregam, mas pelo efeito que causam no ambiente.
Eles seguram o clima quando tudo aperta, inspiram confiança e evitam desgaste emocional desnecessário.
É o tipo de gente que melhora o time só por estar ali. E, quando isso vem de um líder, o impacto é maior.
Por isso, essa habilidade não é “mais uma soft skill” — é estratégia de sobrevivência em situações de alta pressão.
1. Controle do Impulso
O controle do impulso acontece naquele intervalo entre o que acontece e como você reage.
É o segundo antes da resposta atravessada, o espaço entre a crítica recebida e você fechar a cara. Quando bem usado, esse microtempo evita estragos desnecessários.
Essa habilidade está por trás de quase tudo: desde manter uma dieta até concluir aquele projeto que você queria largar. É base de consistência, foco e maturidade emocional — e vai além do autocontrole moral.
Não é reprimir o que sente. É ter clareza suficiente pra não agir de um jeito que vá contra seus valores ou objetivos. Segurar o impulso sem perder o respeito por você e pelos outros. Isso demonstra maturidade com estratégia.
Quem domina essa pausa transmite confiança — e isso muda completamente a forma como é percebido dentro das organizações.
2. Regulação Emocional
Não se trata de suprimir o que sente. Emoções como raiva, frustração e medo vão aparecer — e faz parte do jogo.
A questão é não deixar que elas assumam o volante. Porque, quando a emoção dirige, quem paga o preço é sua reputação, suas relações, sua clareza.
Equilíbrio emocional não tem nada a ver com paz interior de guru. Tem a ver com resiliência, adaptabilidade, tomada de decisão, saber ouvir e se comunicar sem derrapar.
No trabalho, isso vira segurança. Pessoas emocionalmente equilibradas funcionam como pontos de ancoragem. Times gravitam em torno delas, e gestores também.
É esse tipo de presença que conquista confiança, abre espaço pra mais responsabilidade e acelera o crescimento na carreira.
3. Expansão: Motivação, Foco e Tomada de Decisão
Aqui está o pulo do gato: autogestão não serve só pra evitar problema, mas pra gerar movimento.
Usar o que se sente como força pra avançar. Pegar a ansiedade e se preparar melhor. Usar a frustração pra ajustar o rumo. Se agarrar no propósito quando o dia parece não andar.
Quem tem essa habilidade se move por motivação interna. Não depende de aplauso, nem precisa de empurrão o tempo todo. Mantém o foco, sustenta a energia e, acima de tudo, decide melhor porque aprendeu a se ouvir de verdade.
Autogestão e relacionamentos: O pulo do gato
Você pode ser brilhante tecnicamente, entregar tudo no prazo e, ainda assim, ficar estagnado. Por quê? Porque promoção não é só entrega — é confiança. E ninguém confia de verdade em quem não sabe se controlar.
Falo, inclusive, no texto a seguir, sobre um plano para você negociar um aumento salarial ou promoção.
Ambientes corporativos são arenas políticas disfarçadas. A cada reunião, existe uma dança sutil de poder, influência e leitura de ambiente. E é aqui que a autogestão vira diferencial competitivo.
Um líder que se estressa sob pressão perde a equipe. Um analista que rebate feedback com defensiva trava o próprio crescimento. Já um gerente que adequa o tom, ouve com atenção e responde com clareza — esse ganha espaço.
Quando a pressão aumenta — como em cortes de orçamento, mudanças de estratégia ou pivôs de liderança — quem regula a própria emoção lidera o emocional do time. E isso é poder silencioso.
Não se conquista promovendo o caos, mas sendo o ponto de equilíbrio. Gente assim inspira, atrai aliados e resolve conflitos antes que virem guerra fria no Slack.
Se você quer crescer ou ganhar mais, precisa aprender a lidar com o desconforto sem transformar tudo em tensão.
Influência não vem só de ideias boas, mas da forma com que você as defende.
Autonomia não é dada pra quem acerta sempre, mas pra quem sabe reagir com clareza e autonomia quando tudo desanda.
A autogestão é esse bastidor invisível que constrói confiança. Quem desenvolve essa habilidade se torna referência. Quem não desenvolve, por mais competente que seja, acaba ficando de lado quando o jogo aperta.
Fora do escritório também conta
No final do dia, não adianta ser uma fortaleza no trabalho e um vulcão em casa. Se a autogestão não funciona no pessoal, ela não é real e sim só performance.
Relações pessoais exigem ainda mais filtro emocional. Um comentário atravessado no momento errado pode virar um muro difícil de derrubar.
Um silêncio prolongado por mágoa pode corroer vínculos que levaram anos pra se formar. E tudo isso começa em como você regula o que sente, nomeia o que te afeta e escolhe como se posicionar.
Exemplo simples: você chega exausto de um dia tenso, e seu parceiro comenta algo sobre a louça na pia. No impulso, seríamos levados pelo estresse e cansaço — e essa situação viraria uma briga.
Com uma boa prática de autogestão, você respira, identifica a situação, entende que não é só sobre a pia, e sim sobre o acúmulo do dia — e conversa com clareza. Parece pequeno, mas são essas escolhas que preservam vínculos.
E não é só sobre evitar conflito. É também sobre gerar presença. Saber ouvir um amigo sem interromper, dar um feedback difícil com tato e até mesmo admitir que errou.
Autogestão no pessoal gera confiança, fortalece o afeto e reduz o desgaste emocional. Te deixa mais leve e mais próximo de quem importa.
No fim, quem regula bem as próprias emoções vive com mais intencionalidade.
Escolhe melhor com quem se conectar, cria relações mais honestas e constrói uma vida menos reativa e mais consciente.
Maturidade emocional não se mede só na meta batida — se mede no jeito que você trata quem está do seu lado quando ninguém está vendo.
Como desenvolver essa competência?
Você não precisa virar monge. Mas precisa treinar e repetir. Porque autogestão não se aprende só lendo. Se desenvolve testando, caindo, voltando e ajustando o rumo. Com prática constante, esse músculo emocional fica mais forte.
Primeiramente: Autoconsciência
Identificar, nomear e compreender a origem das nossas emoções é o primeiro passo.
Sem essa engrenagem, fica difícil trabalhar a autogestão por completo. Por isso, recomendo recuperar o texto anterior desta série para se aprofundar nesse tema antes de evoluir para os demais pontos.
Peça feedback emocional
Inteligência Emocional não se mede no espelho. Pergunte: “Como foi trabalhar comigo nesse projeto?”, “O que te ajuda ou atrapalha na minha forma de me comunicar?”.
Ferramentas como o feedback 360° ajudam a enxergar pontos cegos — aquelas reações que você nem percebe, mas afetam quem está por perto.
Tenha um apoio confiável
Pode ser mentor, terapeuta, colega de confiança. Alguém que te ajude a se escutar sem filtro, mas com compaixão.
Autogestão também se cultiva em comunidade. A troca com alguém que te desafia sem te julgar é ouro nesse processo.
Teste novas respostas no ambiente seguro
Comece com conversas mais leves ou situações repetitivas em que você costuma reagir mal.
Use esses momentos como versões beta. Vá testando respostas diferentes, como quem faz protótipo de comportamento. O risco é menor e o aprendizado, garantido.
Reforce os acertos emocionais
Aprenda a reconhecer e celebrar momentos em que você segurou a onda, disse “não” com calma ou pediu desculpas sem enrolar.
Faça pausas para reconhecer pequenas vitórias do dia. Um bom comentário, um e-mail que foi bem recebido, uma reunião em que você manteve a calma.
Repare no que ajudou. Isso fortalece a repetição e vai criando um novo padrão emocional.
Enxergue o erro como treino
Você vai escorregar e vai reagir no impulso. É muito difícil não perder a linha em algum momento. Isso faz parte.
Mas o ponto não é fingir que dá para controlar tudo sempre, e sim ter lucidez para voltar atrás e entender: o que te fez perder as estribeiras? O que tocou em você ali?
Quando você para para refletir, em vez de só se culpar, transforma erro em aprendizado e melhora sua autoconsciência.
Autogestão é como ir para a academia emocional. No começo, dói. Depois, vira parte da rotina. E quando o ambiente aperta — porque vai apertar — você já tem preparo interno para lidar. E seguir inteiro.
Não sabote a sua trajetória
Na minha experiência como líder, já vi gente com potencial técnico gigante não ser promovida porque tropeçava sempre no mesmo ponto: a emoção mal gerida nos momentos críticos.
Como gestor, por mais que eu enxergasse talento e incentivasse o desenvolvimento do profissional, não dava para bancar uma promoção com o RH enquanto a própria pessoa não assumisse a jornada do autodesenvolvimento.
O gestor pode e deve apoiar essa jornada. No entanto, sem iniciativa e interesse do indivíduo, esse processo não avança. A partir do momento em que ele abraça o plano de desenvolvimento e começa a treinar e praticar, o cenário muda.
A conversa sai da correção e do feedback pontual e entra no campo da evolução real. O profissional ganha confiança dos pares, da liderança e dele mesmo.
Autogestão não serve para se policiar o tempo todo, e sim para ganhar clareza. Saber o que te move, o que te trava e como não virar refém disso. Quando essa lucidez entra em cena, a forma como você age e reage muda.
Você começa a identificar os ambientes que sugam sua energia, os gatilhos que te fazem agir por impulso, os comportamentos que te sabotam e, mais importante, descobre como quebrar esse ciclo.
Em vez de colocar sempre a culpa no chefe, no time ou na empresa, ainda que, às vezes, esses fatores pesem, você começa a assumir o que está sob seu controle. E direciona energia para aquilo que realmente pode mudar.
Para de esperar que alguém regule por você. Tome as rédeas da sua carreira, começando pelas suas emoções.
Assim, sua régua emocional vira termômetro do time. A forma como você se regula ou se desregula afeta o clima, os conflitos, a confiança.
E não adianta fugir: no ambiente corporativo, percepção é quase tudo. O ser humano julga por natureza. E o jogo, por mais técnico que seja, continua sendo jogado por gente e relacionamentos.
A forma como você se mostra para o outro define como sua presença é lida: se é como apoio ou como tensão; ou então se é como ponto de equilíbrio ou de instabilidade. E isso pesa na hora da promoção, de te darem um time e na hora de confiarem em você quando o bicho pega.
Quer mais espaço, mais autonomia, mais responsabilidade — e ganhar mais por isso? Mostre que sabe se sustentar emocionalmente. Essa maturidade vai te abrir portas.
Quando você aprende a se entender, começa a perceber nuances que antes passavam batido: o desconforto do outro numa reunião, a hesitação de um colega ao falar, o silêncio pesado depois de um comentário.
Esse é o primeiro sinal de que sua consciência está se expandindo para além de si mesmo.
E é aí que entra a próxima peça do quebra-cabeça: a consciência social. Porque não adianta querer liderar ou influenciar alguém se você nem ao menos enxerga o que está se passando com ele.
Mas esse já é o tema da próxima competência: consciência social. Te encontro na próxima semana!