A questão não é a politicagem. É baixa Consciência Social #4
É preciso entender as regras invisíveis das relações. A Consciência Social te ajuda a enxergar o que pesa nas decisões e evita que você jogue no escuro.
Este é o quarto texto da série sobre Inteligência Emocional da newsletter Conversas no Corredor e foi baseado nas obras do autor e pesquisador Daniel Goleman.
Em cada texto abordaremos um tema dentro dos quatro domínios da IE: autoconsciência, autogestão, consciência social e gestão de relacionamentos.
A seguir você encontra os textos da série já publicados:
Inteligência Emocional: dominando a arte da política corporativa #1
Projeto que é barrado sem motivo. Promoção que não ocorre. Ideia que não vai pra frente. Muita gente chama isso de politicagem, especialmente quem odeia esse tipo de dinâmica corporativa.
Mas ela existe e faz parte de toda empresa. Se você pensa que se trata somente de bajulação, sinto te informar: há muita estratégia em entender essas relações.
É aí que a Consciência Social se torna vital. Ela permite entender o que não está dito, mas que pesa nas decisões.
Seguindo a nossa série sobre Inteligência Emocional, primeiro passamos pela autoconsciência, em que vimos a importância de reconhecer as nossas próprias emoções. Depois, pela autogestão, em que aprendemos a regulá-las.
Agora, vamos para a próxima engrenagem. Vamos usar esse conhecimento para olhar para fora e identificar no outro o que ele pode estar sentindo.
Então pega seu café e vem comigo. Bora entender as dinâmicas corporativas — e como usar a politicagem a seu favor.
Entendendo as dinâmicas sociais
Sabe aquela reunião em que você entra e sente que tem algo fora do lugar, mas ninguém fala nada?
Ou quando um colega muda o tom de voz e você percebe que a pauta encostou em alguma ferida?
Ou ainda quando um projeto é vetado sem explicação, mas você saca que houve um jogo de bastidores?
Tudo isso é leitura de Consciência Social. É a habilidade de perceber o que está acontecendo com os outros, tanto em níveis emocionais quanto nos bastidores das relações.
No mundo real, ninguém anda com uma etiqueta dizendo "estou frustrado", "me senti excluído na última reunião" ou "não confio mais nessa liderança". Mas essas emoções existem, moldam comportamentos e, se você não souber percebê-las, vai tomar decisões cegas ou baseadas em julgamento.
Ter Consciência Social é conseguir perceber, entender e reagir a essas emoções e relações invisíveis.
Inclui saber quem manda de verdade numa reunião, mesmo sem cargo formal. Entender que aquele silêncio não é timidez, é resistência. Captar que um colega não está sendo resistente por teimosia, mas porque foi colocado de lado meses atrás e ninguém viu.
Quem desenvolve essa habilidade sabe onde pisa, no que pode insistir e quando precisa recuar.
Quem não desenvolveu ainda vive tropeçando em minas emocionais. É aquele gestor que força mudanças sem perceber que o time ainda está digerindo a última. Ou aquele profissional brilhante tecnicamente, mas que queima pontes sem nem perceber.
Consciência Social tem relação direta com a habilidade de lidar com pessoas em diferentes níveis de complexidade. Ela se desdobra em dois grandes eixos que se complementam:
Empatia: reconhecer o que o outro está sentindo, mesmo que ele não diga uma palavra.
Consciência Organizacional: ler as entrelinhas, entender as redes de influência, perceber as regras não ditas.
Vamos olhar com mais lupa para cada um deles.
Empatia: mais do que sentir, é agir
Imagine uma gerente de projetos que, durante uma apresentação importante, percebe que seu cliente está impaciente. Ele cruza os braços, evita contato visual.
Em vez de seguir o script, ela pausa e pergunta diretamente se há alguma preocupação em relação ao cronograma.
Ele admite que está apreensivo com a integração do sistema ao legado da empresa. Pronto, a tensão foi desarmada. Isso é empatia em ação.
Mas o que torna esse exemplo tão poderoso é que ali atuaram diferentes dimensões da empatia, de forma quase simultânea.
Primeiro, ela usou empatia emocional. Sentiu a inquietação do cliente antes mesmo de ele verbalizar. Não foi um dado técnico, foi uma leitura de ambiente. Um incômodo sutil, mas perceptível para quem está atento.
Depois, aplicou empatia cognitiva. Entendeu o ponto de vista dele, reconheceu o receio em relação à tecnologia. Conseguiu se deslocar da própria perspectiva e entrar no mundo do outro — sem precisar concordar, mas compreendendo.
E, por fim, demonstrou preocupação empática. Não ignorou o sinal, não seguiu o roteiro por conveniência. Ajustou a rota para criar espaço de escuta. Não porque era estratégico, mas porque era necessário.
Essa capacidade de resposta diferenciada cria conexões reais e gera confiança. Evita crises desnecessárias.
A gente consegue aplicá-la em todo lugar e interação. Na troca de feedback, no e-mail redigido com cuidado, no não dito que você capta e respeita.
Do outro lado, a ausência dessa sensibilidade cria ruído. Feedbacks que viram ofensa e julgamento. Decisões técnicas que não colam. Equipes que se sentem ignoradas e se calam, até explodirem.
Consciência Organizacional: enxergar o jogo invisível
Se com a empatia conseguimos nos colocar nos sapatos do outro e tentar entender o que ele está sentindo, com a consciência organizacional podemos observar como esses sentimentos se transformam em ações e reações no âmbito das relações.
Imagine uma empresa onde, todo ano, os líderes se reúnem para fazer a tal da “calibração de desempenho”. A proposta oficial é justa: alinhar as avaliações que cada líder fez dos seus colaboradores, os demais opinam e trazem seus pontos de vista, e isso ajuda a reduzir vieses. Mas quem já participou sabe que ali rola mais do que números.
Às vezes, um gestor minimiza a performance de um talento só porque teve um atrito pessoal. Ou outro defende alguém de fora do seu time porque tem uma aliança estratégica. O nome disso? Política corporativa. E se você não entende como isso funciona, vai ser avaliado por critérios que nem sabia que existiam.
Consciência organizacional é a competência que permite enxergar essas engrenagens ocultas.
Entender que não é só o seu chefe que influencia sua promoção. Pode ser o chefe do outro time, aquele stakeholder que nem está no organograma do seu time, mas tem voz forte no board.
Pode ser também aquela pessoa que, embora sem cargo de decisão, tem o respeito do grupo e pode fazer sua ideia avançar ou morrer.
Dominar essa habilidade significa mapear o campo das relações, a rede de influências, e entender que as decisões vão além da questão técnica. Com isso, entende que antes de apresentar um projeto ou ideia, precisa conquistar aliados informais.
Não adianta só ter a melhor proposta ou projeto. É preciso ter o timing certo, a costura precisa, a narrativa adequada para cada ouvinte.
Um exemplo: um projeto importante esbarra numa diretora que não estava envolvida desde o início. Em vez de confrontar ou pressionar, você convida essa diretora para um bate-papo informal. Escuta suas preocupações. Reposiciona o projeto com ajustes que atendem parte das suas dores. Resultado: apoio conquistado e portas abertas.
Essas movimentações só são possíveis porque há uma leitura clara de arenas políticas. Redes de influência diretas e indiretas, alianças silenciosas, sensibilidades ocultas.
Esse é o entendimento de que, numa organização, poder e decisão não seguem apenas a linha do organograma. Eles fluem por entre relações informais, histórias passadas, lealdades construídas ao longo do tempo.
Arenas políticas incluem também dinâmicas como redes informais (grupos que almoçam juntos, compartilham informações antes de reuniões), lealdades cruzadas (relações históricas entre áreas ou indivíduos), pactos silenciosos (apoios que não são formalizados, mas moldam decisões), além de percepções coletivas que definem quem “tem crédito na casa” — mesmo sem cargo.
Quem entende essas dinâmicas não apenas se protege de injustiças, mas consegue se posicionar melhor no jogo da politicagem corporativa. Alta maturidade aqui não é bajulação. É inteligência contextual. É saber onde e com quem jogar.
Politicagem: a rede invisível de influência
Emoções e percepções influenciam decisões muito mais do que queremos admitir.
Você pode ter o melhor projeto da empresa, mas se ele ameaça o território emocional ou político de alguém com influência, pode morrer antes de nascer. Não porque é ruim, mas porque não teve leitura adequada do cenário onde seria implantado.
Da mesma forma, promoções não são só sobre entrega. São sobre como você é percebido. Quem te defende nas reuniões em que você não está. Quais narrativas estão sendo construídas a seu respeito, e por quem.
Quem domina a consciência social entende essas dinâmicas e se antecipa.
A leitura de ambiente te faz entender que, por trás do "não é o momento", pode haver insegurança, vaidade, medo, ciúmes ou simplesmente uma dívida emocional não paga.
Esse tipo de leitura permite reposicionar estratégias, ajustar comunicações e, acima de tudo, escolher batalhas com mais inteligência.
Liderar com consciência social é enxergar o não dito. Perceber que o estresse do analista não tem a ver com o prazo e sim com o esquecimento na última promoção. Que o silêncio da coordenadora não é distração, e sim um sinal de resistência.
Influenciar, nesse jogo, é menos sobre convencer todos e mais sobre entender o tabuleiro. Quem realmente decide. Quem influencia quem. Qual narrativa precisa ser fortalecida. A porta certa nem sempre é a mais visível, mas é a que pode mudar o jogo.
Conflitos, quase sempre, não são sobre tarefas. São sobre status, reconhecimento, medo de perder espaço. Mediar exige escutar o que não está na fala. Criar uma saída onde todos sintam que foram ouvidos e contemplados, mesmo que não tenham vencido.
Nesse patamar, leitura emocional vira ferramenta política. Não para manipular, mas para navegar com clareza e ética em arenas políticas complexas.
Conforme aprendemos a reconhecer essas dinâmicas, percebemos as regras invisíveis que dominam as relações políticas e podemos agir de forma mais estratégica. É como acender a luz num cômodo escuro. Você não muda de lugar, mas para de tropeçar.
Quem desenvolve essa habilidade vira ponto de referência. Se torna alguém que escuta de verdade e que constrói influência com base em confiança.
Alguém que move as peças certas sem precisar levantar a voz ou mostrar o crachá.
E fora do trabalho?
Consciência social não é uma chave que a gente liga ao entrar na empresa e desliga ao sair.
A gente carrega ela para casa, para o jantar com amigos, para o grupo da família. E quando ela falta, os ruídos se acumulam. Conflitos viram mágoas, silêncios viram distanciamento, e a gente nem percebe quando se desconecta de quem mais importa.
Você chega em casa depois de um dia puxado. Seu parceiro está mais seco do que o habitual. Seu filho está emburrado. Um amigo desmarca em cima da hora e, na sequência, posta uma foto em outro rolê.
Ninguém te disse nada diretamente, mas você percebe que tem algo acontecendo. Algo que grita nas entrelinhas.
No grupo de amigos, você nota que todo mundo foi chamado para aquele jantar, menos você. Ou percebe que uma conversa muda de tom quando você entra. Que há uma frustração no ar, mas ninguém se sente à vontade para colocar na mesa.
Essas pequenas pistas são o campo onde a consciência social atua na vida pessoal.
Ela te ajuda a distinguir o que é sobre você e o que é sobre o outro. A perceber a dor que o outro ainda não sabe expressar. A fazer perguntas em vez de suposições. A oferecer escuta quando o outro só está tentando sobreviver ao próprio caos.
Relacionamentos saudáveis exigem esse tipo de leitura emocional. Exigem sensibilidade para captar desconexões e empatia para reagir com cuidado.
Ter consciência social fora do trabalho é, na prática, cultivar vínculos com mais presença, mais escuta e menos julgamento. É o que nos permite construir pontes quando o mundo interno do outro está em colapso.
Vejo que essa habilidade é uma das mais poderosas para nossas vidas pessoais. Dominar a empatia de forma genuína nos protege de interpretar mal silêncios e distâncias, preservando laços que o orgulho ou a pressa poderiam romper.
Consciência social nos ajuda a tirar aquela névoa de emoções que podem nublar nossas reações em relação às pessoas que estão ao nosso lado, principalmente em casa e fora do trabalho.
Como Desenvolver a Consciência Social: Estratégias Práticas
Para aumentar a maturidade da consciência social, tanto sob a ótica do indivíduo quanto da liderança, é fundamental focar no desenvolvimento e aplicação de habilidades de inteligência emocional que promovam a compreensão, a empatia e a colaboração.
Vale salientar que o autodesenvolvimento é uma jornada, e este material tem como objetivo te dar os fundamentos para dar o primeiro passo.
Buscar apoio profissional para te ajudar nesse processo é altamente recomendável, tanto pela estrutura quanto pela profundidade e experiência.
Além disso, recomendo a leitura dos textos anteriores sobre autoconsciência e autogestão. Elas são complementares ao aprimoramento da consciência social, como engrenagens que se conectam.
Dito isso, vamos aos exemplos que podem te auxiliar a começar essa jornada de desenvolvimento.
I. Do lado de dentro: ações individuais
Aprimorando a empatia
A empatia começa com presença. E presença começa com escuta. Um exercício simples é escolher uma conversa por dia em que você não interrompa, não rebata, apenas escute. Depois, reflita sobre como a outra pessoa se sentiu.
Outra prática poderosa é nomear emoções alheias com cuidado. Dizer algo como "parece que isso te deixou desconfortável" já é um passo. Também vale revisitar interações passadas com a pergunta: “o que será que aquela pessoa estava precisando naquele momento?”
Esse tipo de reflexão treina o olhar emocional. E quanto mais você exercita, mais afiado ele fica.
Lendo o jogo organizacional
Para desenvolver a consciência organizacional, comece a mapear as dinâmicas ao seu redor. Observe quem tem voz nas decisões, mesmo sem cargo. Quem influencia nos bastidores. Note padrões de aprovação e veto de ideias. Identifique os influenciadores invisíveis — aqueles que não decidem, mas moldam decisões. Pratique observar antes de agir.
Uma tática útil é testar hipóteses em conversas informais. Perguntar algo como “o que você achou da reação do diretor àquela proposta?” ajuda a calibrar sua leitura. Com o tempo, registre mentalmente quem são os aliados, os neutros e os opositores nas principais pautas — e como esses papéis mudam.
II. No papel de líder: fomentando a consciência social no grupo
Liderando pelo exemplo
Como líder, sua linguagem corporal é observada o tempo todo. Use-a com intenção, pois isso é liderar por exemplo.
Demonstre atenção com o olhar, acolha discordâncias com serenidade e fale de sentimentos com naturalidade.
Compartilhe também suas leituras de bastidores em espaços seguros. Dizer algo como “notei que aquela sugestão não teve aderência, talvez precisemos entender o timing político” educa o time a perceber além da superfície.
Desenvolvendo habilidades relacionais no time
Ajude o time a desenvolver habilidades relacionais.
Promova treinos com conversas difíceis, use casos reais, proponha encenações. Ensine escuta ativa, feedback cuidadoso, empatia cognitiva. E acompanhe o desempenho relacional com o mesmo rigor que acompanha os resultados técnicos.
Fechando a conversa (por enquanto)
Já ouvi histórias de profissionais brilhantes tecnicamente sendo engolidos pelo sistema, não por incompetência, mas por ingenuidade relacional.
Gente que achava que bastava entregar bem para ser reconhecido. Que confundia meritocracia com justiça. Que ignorava o que se passava nos bastidores e acabava pagando um pedágio caro.
A verdade é que o jogo corporativo não se joga só com Excel. Se joga com percepção, escuta atenta e leitura de contexto.
Assim como toda competência, para dominá-la é necessário ter intenção e prática. Exige o desconforto de se perguntar por que as coisas realmente acontecem e a coragem de ouvir as respostas.
Porque uma coisa é saber o que você quer dizer. Outra é entender o que o outro precisa e quer ouvir. E aí mora a diferença entre quem só fala e quem influencia.
No fim do dia, nossa carreira não depende unicamente da nossa vontade. Não se cresce sozinho, muito menos se estiver sendo lido como ameaça, peso ou desconfiança.
Você percebe que o sucesso da sua carreira está conectado à forma como entende o jogo e sabe jogá-lo sem perder a ética.
Discernir entre onde insistir, onde ceder, onde esperar, quem pode te apoiar e até te derrubar é entender a rede invisível de influências dentro de uma organização. E ela é tão importante quanto as funções de um organograma formal.
Ter consciência social bem desenvolvida é o que te tira da ingenuidade e te coloca no jogo. Não como figurante, mas como peça relevante.
No próximo texto, vamos falar de gestão de relacionamentos. O passo onde percepção vira ação.
Afinal, entender o outro é só metade do jogo. A outra metade é saber o que fazer com isso.
Inclusive, café no intervalo, whisky depois do trabalho, charutos em ocasiões especiais e almoços de networking são quase um rito não apenas para o ambiente corporativo. É quase a regra implícita para ter carisma dentro de um grupo: se adaptar aos meios e incorporar seus ritos. Isso reforça tanto quem tá ao lado que é até bizarro como isso acontece e é imperceptível.
Realmente, regras implícitas importam. Excelente newsletter!